Nota da Associação do Povo Indígena Tenharin do Igarapé Preto (APITIPRE)
Em nome da Associação do Povo Indígena Tenharin do Igarapé Preto (APITIPRE), manifesto imenso pesar com a morte de nosso parente Erivelton Tenharin, primo querido, e grande preocupação com o estado de saúde dos demais parentes que estiveram no episódio do último dia 10 na Base de Proteção Etnoambiental, localizada no município de Colniza-MT. Meu irmão Cleomar Tenharin ainda está hospitalizado por ter sido gravemente ferido e os nossos demais parentes estão em estado de choque, traumatizados com a perda e a covardia a que o povo Tenharin foi submetido.
A história de morte e desrespeito aos povos indígenas se repete no país, desta vez através da manipulação de outro parente indígena, Francisco Chagas Arara, em um esquema arquitetado por madeireiros interessados em jogar parente contra parente, indígenas contra a Funai e a opinião pública contra nós indígenas e nossos parceiros indigenistas. Sabemos que esse conflito foi forjado por inimigos da causa indígena e que nossos parentes caminharam inocentemente para uma armadilha, e só o fizeram porque acreditam no direito básico de todo povo indígena ter sua terra demarcada.
Foi a coragem e a solidariedade que moviam nossos parentes. Mas, foi a má fé e a mentira que tiraram a vida do meu primo Erivelton. Escrevo para que todos saibam que sua força não será esquecida e, por isso, seguiremos buscando a justiça. Saberemos transformar o vazio da perda em força para que nossa luta não seja desarticulada por aqueles que, repetidas vezes, tentam se aproveitar de nós através de fraudes e violência. Os Tenharin seguem vivos.
Os Tenharin resistem! Pyri’ramon pepoakaramon, pevy’are’ymarupi penhimopoakari!
Breve relato:
«Francisco Chagas Arara fez uma reunião com as lideranças do Igarapé Preto dizendo que precisava fazer um trabalho de manifestação, lá na região do Guariba (MT), com o objetivo de pedir a demarcação de uma terra. Por isso, ele pediu o apoio das lideranças Tenharin do Igarapé Preto. Por se tratar de uma reivindicação política e por ele pedir apoio de parceiros, principalmente indígenas, o nosso pessoal (sempre solidário com os demais parentes indígenas), se prontificou a ajudá-lo, desde que fosse uma manifestação pacífica. Então, ficou acertado que ele daria o apoio logístico e mandou um carro até o Igarapé Preto e levou os seis parentes.
Chegando lá, uma das pessoas até fez um questionamento querendo saber de documento, se tinha tudo oficializado com a Funai e a polícia militar que deveria dar suporte para a manifestação no local. O referido Francisco afirmou que haveria presença da Funai. Mas, logo desviou da conversa. Ele pediu para que as pessoas presentes se pintassem. Em seguida, ele disse que seguiriam para a aldeia fazer a manifestação lá, ninguém sabia que na realidade eles estavam indo para a Base da Frente de Proteção dos indígenas isolados que o Jair cuida, a Base Madeirinha/Juruena. Então, por volta de mais ou menos 19h, eles saíram de Guariba e foram para o local. E chegaram por volta de 21h.
Ao se aproximar do local, cerca de 300 metros, eles ouviram tiros. E uma das integrantes do grupo alertou que eles estavam atirando. Mas, os demais acharam que eram foguetes já que geralmente é assim que os convidados são recebidos nas adeias. Todos estavam inocentes, não sabendo o que estava acontecendo. Quando se aproximaram cerca de 150 metros, eles só viram o pessoal atirando neles. O povo começou a atirar em cima do carro. Logo atingiram o Erivelton. E, em seguida, o tiro atingiu o Cleomar. Eles tentaram salvar a vida deles, resgataram o corpo e saíram com ele nas costas. Nesse momento era cada um por si tentando salvar sua vida. Era muita correria por causa dos tiros. Crianças correram para a mata. E o pessoal estava inocente na situação.
Ficamos sabendo que, antes desse trágico episódio, esse indígena Arara já havia organizado um confronto na Base, negociado isso com os madeireiros. Então, os parentes quando saíram do Igarapé Preto não sabiam de nada. Mas, se soubessem, não teriam ido. Como eles foram com boas intenções, nenhum deles tinha arma de fogo. Todos sabem que é um costume do povo Tenharin se pintar nos momentos de conversar e tratar de assuntos de caráter político, como era o caso. Trata-se de um sinal de respeito com os parceiros, uma demonstração de reconhecimento da posição ocupada pelo outro e da importância dos discursos que serão feitos. Os indígenas, nesse momento, foram alvejados e, em nenhum momento, revidaram. Eles foram o alvo de toda a má fé da situação tramada contra eles».
Cleudo Alves de Souza Tenharin
presidente da APITIPRE
Terra Indígena Igarapé Preto, 15 de outubro de 2018